A Lagoa de Santo André (Santiago do Cacém) foi hoje aberta artificialmente ao mar, um ritual do século XVII que se repete anualmente no início da Primavera e que este ano atraiu à praia cerca de 600 espectadores.
Pouco passava das 16:30 quando a última língua de areia que separava a lagoa do Oceano Atlântico foi «engolida» por uma das três máquinas (uma giratória e duas bulldozer ou lagartas) envolvidas na operação.
De máquina fotográfica em punho e trajados a preceito, com calções, t-shirt e chinelos, os curiosos mais afoitos lá iam metendo o pé na água para conseguir a melhor das imagens que ilustrasse o primeiro contacto entre a lagoa e o mar, separados até então por um cordão dunar de 150 metros.
O ritual data do século XVII, de acordo com os registos mais antigos de que dispõe a Reserva Natural das Lagoas de Santo André e da Sancha (RNLSAS).
Nessa altura, «as populações empenhavam-se para fazer a abertura da lagoa no mês de Março e era sempre à força de pás», lembrou Ana Maria Vidal, técnica responsável da RNLSAS.
Anos mais tarde, os trabalhos passaram a ser feitos com o recurso a «carros de bois». Hoje, é a força das máquinas que é posta ao serviço da natureza.
Este ano, o contrato com uma empresa local cifrou-se em 10 mil euros, montante assegurado pelo Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB).
A iniciativa, promovida anualmente pela Reserva, conquista todos os anos muitos visitantes, que acorrem à Praia da Costa de Santo André para assistir de perto aos últimos trabalhos das máquinas, que decorrem durante vários dias antes do aguardado momento.
Há quem não prescinda do boné ou do chapéu-de-sol para passar algumas horas no areal e fazer face aos raios de Sol trazidos pelos primeiros tempos da Primavera. E o que não falta são visitantes vindos de outros locais, como Lisboa.
Terminados os trabalhos, é esperar para ver quanto tempo aguentará a lagoa aberta às águas do oceano, já que o processo de encerramento ocorre de forma natural.
«Este ano, a previsão de abertura é de quatro a cinco dias, o que é muito mau para o sistema lagunar», lamenta Ana Maria Vidal, frisando que os escassos seis metros de altura da água da lagoa são insuficientes para manter a ligação por mais tempo.
«Esperemos que o mar continue 'chão', como está hoje, para ver se a lagoa fica aberta mais uns dias, de modo a que se possa fazer a renovação completa da água», almeja a técnica, explicando que o período de comunicação varia habitualmente de dois dias a três meses.
O dia de hoje foi escolhido para a acção por estarem reunidas as condições, como a maior amplitude das marés (a maior e a mais baixa no mesmo dia), o fim do ciclo lunar e o vento tão calmo quanto possível.
A intervenção é «essencial» à renovação das águas e à exportação de matéria orgânica e nutrientes para a faixa costeira, assegurando, em simultâneo, a entrada de sedimentos arenosos e organismos (peixes e invertebrados), que garantem a continuidade da actividade piscatória na lagoa.
A pesca é uma das principais actividades económicas desenvolvidas na zona, com uma tradição histórica que remonta ao século XVII.
A captura da enguia, com recurso às nassas (arte de pesca), é das mais activas da lagoa, povoada também por outras espécies piscícolas, aves aquáticas (galeirão, pato, garça e cegonha) e mamíferos, como a lontra.
Considerada o maior sistema lagunar da costa alentejana, a Lagoa de Santo André está classificada como Sítio RAMSAR - Zona Húmida de Importância Internacional.
Diário Digital / Lusa
04-04-2008 19:24:00
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